terça-feira, 20 de outubro de 2009

Descolei do tempo

-E aí, cara, tudo bem?
-Tudo bem. E você?
-Tudo bem também. Tá sumido, hein!
-Que isso! Nos vimos outro dia...
-Outro dia? Isso foi há três semanas atrás!
-Sério?
-Sério.
-Caraca!
-E o que você tem feito nesse tempo todo? Quais são as novidades?
-Cara, não fiz nada... Não tem nada de novo.
-É?
-É! Nem sabia que tinha passado tanto tempo assim. Nossa...
-Você parece assustado. O que aconteceu?
-Sei lá! Estou meio bolado com isso de passar esse tempo todo e eu não perceber e nem saber o que eu fiz.
-Sinistro!
-É sério! Me sinto como se eu tivesse descolado do tempo. Como se estivéssemos todos num carrossel e eu tivesse saído dele por um tempo e tivesse apenas vendo ele girar com todo mundo dentro e eu a parte, esperando para subir de volta sem fazer nada.
-Caraca...
-Preciso voltar ao tempo, voltar pro carrossel, montar meu cavalo e seguir com a minha vida. Não dá pra ficar só olhando ele girar.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Caso de puliça

-Muito bem, o que aconteceu aqui?
-Seu Dotô, esse fiodapú tava mi bulinanu!
-Mas seu Dotô...
-Cala a boca, ô meliante! O cabo, dá um tapa nesse desgraçado cada vez que ele falar alguma coisa.
-Issu mêrmu seu Dotô! Acaba com ele! Safado!
-A senhora também trate-se de se acalmar-se. Agora me conta o ocorrido da ação maliciosa.
-Hein?
-O que aconteceu?
-Esse safadu fiodeumaégua fica mi bulunanu o tempo todo. Sempre que nós si vê ele mi bulina.
-O meliante abusa sexualmente da senhora, então?
-É issu aí! Ele fica passanu as mão nos meus peito i na minha bunda o tempo todo.
-Mas seu Dotô, não é bem assim... Ai!
-Cala a tua boca, ô marginal. Continue, senhora.
-Se Dotô, eu levu uma vida honesta, sô trabalhadora i temente a Deus. Sô mulé direita, não sô mulé di ficar de isfrega o tempo todo, não sinhô.
-Certo, a senhora é uma cidadã de boa índole.
-Não, eu sô uma mulé di família! Não sô isso aí que o seu Dotô falou não. Sô direita i limpinha.
-Certo, continue.
-Esse desgramado vive me encoxando pelos cantos, querenu abusar do meu corpo.
-E a senhora não quer? É contra a sua vontade?
-Também não é assim, né, seu Dotô. Ninguém é di ferro i a carne é fraca. Às vêiz eu deixo, mas só um poquinho.
-A senhora permite que o acusado se divirta às suas custas?
-Sim, sinhô, seu Dotô. Umas safadeza di vêiz enquanu até que é bom, né? Mas ele quer o tempo todo, não tenho discansu.
-Mas como a senhora permite que este estuprador comprovado viole a sua integridade física esporadicamente?
-Ó, não tindi o que u sinhô falô aí, não. Mas ele num é istrupador, não sinhô. É meu marido. Ele é um safado dos infernos e vai quemá com o capeta, mas é meu marido.
-E o que a senhora deseja que nós procedamos em relação ao caso aqui resistrado?
-Quero qui o sinhô ixplica pá ele que num pode mi currar o tempo todo i tem que arrumá um emprego. Pra ele dexá de ser safado e ir trabalhar.
-Mas, seu Dotô, si nóis num pode buliná nem as própria mulé, quem que as gentes vai buliná? Ai!

sábado, 14 de março de 2009

Explicando

Postei aqui vários posts antigos do meu outro blog só pra deixá-los onde eles sempre deveriam ter sido publicados: aqui.

Estão em ordem cronológica descendente, ou seja, o último é o mais recente.

Um Final

Ela, em seu leito derradeiro, descansa entre um sopro e outro. Respirar é doloroso e quase pior do que não fazê-lo. A filha tem sua mão contra a face dela, molhando-a de lágrimas. O marido, contra a parede, luta entre o egoísmo de tê-la para sempre ao seu lado e o altruísmo de desejar o fim da dor; dela e de todos mais.

Um último esforço e o findo ar escapa deixando apenas o vazio da inexistência. A filha levanta e abraça o pai, com seu rosto enfiado no peito dele. O marido abraça de volta e imerge sua face nos volumosos cabelos da filha. Os dois escondem seus olhos pois a realidade é horrenda demais para um mero vislumbre.

E ninguém vê. Ninguém percebe. O momento em que ela levanta-se com seu tórax inerte. Ela olha para os dois e uma única lágrima escorre. A seguir ri. Olha para a janela e começa a refletir e calcular. Se a menor força, empurra a cama com o dossel para o outro lado do quarto. Levanta os dois abraçados como se fossem pluma e os deposita carinhosamente fora do caminho.

Ela dirige-se então ao corredor e anda até o fundo. Vira-se de volta ao quarto e toma posição. Então parte. Correndo, segue toda a extensão do corredor, entra no quarto, passa pela cama e, no último instante antes de atravessar a janela, olha os dois abraçados.

E então seus pés descolam-se do chão – e da realidade. Pelo menos desta; das outras já não se sabe...


Publicado originalmente em 09/08/2008, aqui.

Era uma vez...

Era uma vez um menino. Ele andava na rua sempre olhando pra baixo e tendo muito cuidado para não cair num buraco ou pisar em merda de cachorro. Só que ele vivia batendo com a cabeça em postes e placas de rua. Seus amigos reclamavam que passavam por ele e ele fingia não ver – quando na verdade ele realmente não os via por estar sempre com a cabeça baixa.

Era uma vez uma menina. Ele andava na rua sempre olhando pra frente e tendo muito cuidado para não bater em postes e placas e para não deixar desapercebidos seus amigos. Mas ela vivia caindo em buracos e pisando em merda de cachorro. Seus amigos viviam reclamando que ela chegava sempre suja ou machucada aos lugares.

Era uma vez um menino que conheceu uma menina. Ele andava na rua sempre olhando pra baixo. Ela vivia olhando pra frente. Um dia, ele estava amarrando o sapato e ela esbarrou nele. Assim se conheceram. Eles nunca mais bateram em postes e placas ou caíram em buracos ou pisaram em merdas de cachorros.



Publicado originalmente em 31/07/08, aqui.

Um minuto

Acho que já fiz isso hoje. Já, já fiz sim. Saco essa história de ficar me repetindo. Trabalho repetitivo é uma merda.

O pior é que é sempre assim. Trabalhar é repetir várias vezes algumas poucas tarefas ao longo do mês. Cada dia uma tarefa diferente, o dia inteiro a mesma tarefa. E só se leva um minuto pra cada uma. Saco.

- Ei!
- Hã?
- O que você ta fazendo?
- Como assim?
- O que você ta fazendo?
- Estou trabalhando.
- Eu imaginei. O que pergunto é: você está realizando alguma tarefa diferente da que você acabou de fazer?
- Não...
- A próxima será diferente da que você faz agora?
- Também não.
- Comigo é o mesmo.
- Sim. E daí?
- Você não fica com a impressão de que o dia se repete em um minuto.
- Hã?
- Seu dia inteiro se resume a um mesmo minuto de trabalho repetido diversas vezes ao longo do dia.
- Cara, boiei.
- Sim, sim. Você vive o mesmo minuto do dia o dia inteiro.
- Putz, o que você tomou hoje?
- É sério...
- Vamos almoçar?

Saco! Almoçar é a coisa mais diferente e divertida para se fazer no dia. Há sempre uma comida diferente, no entanto é sempre a mesma. Sempre uma salada. Sempre dois pratos quentes. Sempre arroz e feijão. Sempre os mesmos temperos. Sempre o mesmo gosto. Todo dia uma comida diferente; todo dia se come o mesmo.

- E então? Pensou no que eu falei?
- No quê?
- Sobre o trabalho...
- Nem entendi o que você falou!
- Caralho.
- Quê?
- Nada, deixa pra lá...

Escovar os dentes. Esfrega os de cima. Esfrega os de baixo. Esfrega os da esquerda; os da direita. Esfrega a língua. Cospe. Igual a ontem.

- Viu o jogo?
- Não. Esqueci. Como foi?
- O de sempre. A defesa é muito fraca! Falta atacante decente. É foda!
- É foda...

Essa cadeira vive desregulada. Bom, basta ajeitar direitinho. Pronto. Monitor na altura certa. Teclado e mouse nos lugares ideais. Agora é só trabalhar. O que estava fazendo mesmo?

Acho que já fiz isso hoje.




Publicado originalmente em 27/07/2008, aqui.

TRÊS VEZES CINEMA

1. Cinema vs. Filmes

Mais uma vez vou assistir àquele filme. Já o vi várias vezes na TV e tenho até DVD em casa.

É bem verdade que eu nunca assisti ao DVD. Mas eu o tenho. Enfim...

Quando anunciou passando num cinema não pude resistir. Eu o acho fantástico e o cinema só o tornará mais incrível para mim. Vai agigantá-lo.

Adoro essa sala de cinema. Das antigas, com palco, mezanino, enorme e toda decorada com aqueles rococós bregas de antigamente. O charme está nos detalhes: a cortina de veludo, a cadeira almofadada e a música clássica antes da sessão.

O ingresso a preço popular só faz a festa mais interessante. Quero pessoas animadas ao meu lado, quero torcida, quero “AHHHHHs” e “OHHHHHs”, quero vaias e aplausos. Anseio pela platéia que interage com o filme, mescla-se com a exibição e torna-se uno com a experiência cinematográfica.

O público, ansioso com o início da projeção, começa a ritmar o “Co-me-ça! Co-me-ça” e os últimos assentos são preenchidos.

Shhh! A sessão já vai começar...

-----------------------------------------------------------------------------------------


2. Cinema-realidade

Aconteceu no meio do filme. Três fileiras à minha frente, duas colunas à esquerda.

A cena era de um casal – ele com seus idos 40 anos e ela com uns 30 – beijando-se em meio a todos.

De súbito, alguém lá na frente levanta-se e dirige-se a eles. Não sei se notam sua aproximação – não ficou muito claro.

Eu não estava entendendo muito bem o que acontecia. Não tinha dado crédito algum ao casal e muito menos a quem se aproximava.

Só sei que do nada dois estampidos altos ensurdeceram a todos. Quando os ouvidos voltaram ao normal, ouve-se um grito rouco e constante, quase um canto gregoriano com sua falta de variação tonal.

Outro estampido, mais surdez. Podia ser mais baixo o som. Mas, também, quem manda ficar tão perto da ação, né?

Neste momento todo o cinema ficou em silêncio, todo par de olhos grudados no acontecimento. Ninguém ousava respirar ou olhar pro lado. De repente, um barulho de pipoca mastigada. O filme continuava e ninguém queria perder um segundo sequer.

Sem trilha sonora ou efeitos sonoros, o sossego da sessão chega ao fim. Chegam os jornalistas e seus flashes. Depois os policiais e seus berros. O filme continua e ninguém quer perder a ação.

A trama, os personagens e a conclusão foram tão intensos que eu esqueci completamente o que fazia ali e que longa fui assistir. A realidade estava tão incrível que parecia até um filme.

-----------------------------------------------------------------------------------------------

3. Nós Dois, Eles Dois

Lá estava eu brincando com o cigarro entre os dedos, do mindinho, girando até o polegar. A ansiedade subindo pela minha espinha batendo no centro da testa e descendo até a ponta dos meus dedos.

Nisso que dá ir ao cinema sozinho. Odeio ir sozinho. Acho muito deprimente, essa situação. Casais abraçados, amigos comentando suas expectativas, filhos excitados enchendo seus pais de perguntas e eu, só na fila, meio que inclinado pro lado com a falta do apoio de uma companhia.

E o cigarro. Eu tinha parado com ele, mas a ansiedade traz tudo de volta. É só tirá-lo do maço que ele se mescla aos meus dedos como se sempre estivesse ali, apenas um dedo a mais. Tamborilando, de uma ponta à outra da mão.

Sentado, só me resta esperar o início da sessão, sem alguém para conversar. As pessoas passam e perguntam “tem alguém aqui?” “não, pode sentar-se”. Estou sozinho. Eu e meu cigarro.

O casal à frente parece o mais grudento que já vi. Ficam segredando um no ouvido do outro sussurros que não compreendo mas que ferem minha solidão com seu carinho mútuo.

Durante toda a exibição, a língua dele sibilou no lóbulo dela, como se precisasse ter sua atenção a todo momento. Como se o filme estivesse atrapalhando a união deles.

Comecei a achar minha solitária condição em melhor situação que a dela.

Na saída, tentei juntar-me aos dois e ouvir o que aquele chato, que não desgrudava dela por um segundo, tanto tinha a confidenciar em seu ouvido. Ele, agarrado a ela, parecia um concha protegendo sua pérola a todo custo.

Mas, ao chegar à rua sinto-me arrependido e humilhado. Ela retira sua vara e põe seus óculos escuros. E ele a guia para o estacionamento perto. Com o mesmo carinho com que ele narrou o filme que eu tinha tido a oportunidade de assistir, mas perdi tempo invejando os dois.

Eu e meu cigarro.




Publicados originalmente em 28/05/2008, aqui.

Versos Bregas

A primavera foi linda,
mas o verão acabou
e nós nem vimos o outono passar.
Agora que estamos no inverno
só nos resta o frio e a desolação.

Se tivéssemos percebido a chegada do outono,
Talvez poderíamos fazer
Como o super-homem para salvar
Lois Lane de seu fim definitivo
E fazermos o planeta girar ao contrário.
Fazer do outono o verão mais uma vez.
Talvez.

Mas os relacionamentos são assim.
Se você percebe que o outono chegou
É porque, na verdade, é o inverno que bate à sua porta.
Foi bom, foi bom demais, foi incrível.
E foi tudo isso que nos fez esquecer
Do outono e cair no inverno.

Talvez seja o momento de nos separarmos
E encontramos outra primavera para nossas vidas.
Mas mesmo no inverno de nossa vida à dois,
Tudo o que desejo é
Procurar o calor do seu corpo em busca da salvação,
Como um náufrago busca o bote salva-vidas.

Quem sabe não seria essa a solução
Para a passagem das estações?
Então que nossos corpos se mesclem,
Se aqueçam e sejam aquecidos mutuamente
Até que a primavera volte a reinar em nossas vidas.

No final das contas,
“eu só quero que você
me aqueça neste inverno.
E que tudo mais
Vá para o inferno”.



Publicado originalmente em 21/01/2008, aqui.

Vi se Versa

Visei versar o verso e o verso do universo.
A versatilidade do verbo vingou em virtudes vindouras.
Mas, vitimado pela vida vã, vislumbrei o vazio da invalidade da voz visceral.
Vil é o vilão em sua vila, vestido da verdade, na vala da velhice, virtualmente revertendo o vício da vitória em vendido vínculo com vicissitudes venais.



Publicado originalmente em 29/11/2007, aqui.

Mães, Mulheres, Assunto, Repetição e Ciclo

Solteiro: “Quando você vai arrumar uma namorada?”
Namoro [primeiro ano]: “Quando você vai arrumar uma mulher melhorzinha?”
Namoro [segundo ano]: “Quando vocês vão se casar?”
Noivado: “Como vão os preparativos do casamento?”
Casamento [primeiro ano]: “Como anda a vida de casado?”
Casamento [segundo ano]: “Como anda a vida de casado?”
Casamento [terceiro ano]: “Como anda a vida de casado?”
Casamento [quarto ano]: “Como anda a vida de casado?”
Casamento [quinto ano]: “Quando vocês vão ter filhos?”
Casamento [sexto ano]: “Quando vocês vão ter filhos?”
Casamento [sétimo ano]: “Quando vocês vão ter filhos?”
Casamento [oitavo ano]: “Quando vocês vão ter outro filho?”
Casamento [nono ano]: “Como você agüenta essa sua esposa?”
Divorciado [primeiro ano]: “Como você agüentou sua ex-esposa?”
Divorciado [segundo ano]: “Quando você vai arrumar uma namorada?”


Publicada originalmente em 08/11/2007, aqui.

Sobre Decisões

- Decidi ficar com você.
- Hã?
- Decidi ficar com você. Pra sempre.
- Ah, decidiu, é?
- Sim.
- Depois de duas semanas que eu te dei o ultimato?
- Sim.
- E você ficou esse tempo todo pensando no assunto?
- Sim. Não. Mais ou menos.
- Sim, não ou mais ou menos?
- Mais ou menos.
- Cê deve estar de sacanagem!
- Por quê?
- Primeiro você leva duas semanas pra me responder – o que já é um absurdo. E cê ainda vem me dizer que não passou este tempo todo pensando?! Vá-te a merda!
- Não fala assim...
- Aposto que cê ficou este tempo todo com tuas negas. Quando lembrou fez o que sempre faz quando tem que tomar uma decisão importante. Aliás, o que mais me irrita em você!
- Não foi nada disso...
- Não foi?
- Não.
- O que cê ficou fazendo este tempo todo, então?
- Eu realmente fui falar com minhas negas. Na primeira semana. Todas as mulheres que eu tive durante nosso namoro.
- Ce de sacanagem!
- Não. Perguntei a todas se elas achavam que nós tínhamos futuro juntos. Umas responderam prontamente que não – que eu era muito galinha e irresponsável. Outras quiseram levar a sério.
- Cara, não to a fim de escutar teu papinho de merda...
- Espera, ouve um pouco. Não suportei ficar com quem me quis. “Eu nunca aceitarei ser membro de um clube que me aceitaria como membro” – já dizia Grouxo Marx. Achei todas umas merdinhas, se entregando por pouco, sem respeito por si mesmas.
- Que bom! É isso que cê pensa de mim?
- Não. Já foi. Mas não é mais. Na segunda semana decidi que não queria ficar com mais ninguém. Assinei Sexy Hot, Playboy TV, achei alguns sites pornô na internet, passei na farmácia e comprei hipoglós e vaselina e, por fim, arrumei uma daquelas mãozinhas para coçar as costas e sentei no sofá. Estava auto-suficiente.
- Que nojo! Pra que a mãozinha?
- Você sabe que não consigo coçar minhas costas, não tenho elasticidade alguma.
- No final da semana, com o hipoglós no fim, todo esfolado e com tendinite, percebei que faltava alguma coisa na minha vida.
- O quê?
- Você.
- Tem certeza do que cê tá falando? Você não passou no banheiro pra chegar a essa conclusão?
- Como assim? Do que você ta falando?
- Eu sei que você tem a mania de ir a um banheiro público quando precisa tomar uma decisão importante. Que conta sua história pra quem estiver lá dentro e pede a opinião destas pessoas.
- Hein!?
- Aposto como você passou essas duas semanas indo a todos os banheiros públicos que conseguiu encontrar. E não havia dois banheiros que lhe dessem a mesma resposta seguidamente. Só conseguiu se decidir agora porquê encontrou um que conseguiu te convencer.
- Absurdo!
- Tá, tá. Então você quer ficar comigo?
- Sim.
- Ok. Então você tem que me prometer que nunca mais vai ficar com nenhuma outra mulher que eu também não pegue.
- Ok.
- Que não vai mais mentir pra mim ou sumir por semanas, sem avisar antes ou dizer pra onde foi depois.
- Ok.
- Que vai parar de ficar tirando melecas na sala e colocando atrás do sofá.
- Ok.
- E que nunca mais, NUNCA MAIS, vai entrar num banheiro público na vida.
- ...
- Que foi?
- Eu...
- Você o quê?
- Preciso...
- Hã?
- Tenho que ir ao banheiro. Esse bar tem banheiro?


Publicado originalmente em 26/10/2007, aqui.

Cerca Trova - Quem procura, acha

Finalmente veio a frustração visceral felicitar verbalmente por seus feitos virulentos a face vítrea e fixa em vicissitudes, visando ferir a virgem e faceira vivência familiar. “Vai e faz sua vítima, famigerada violência fincada de vil forma no meu veio perdido”.

Uma pedra é uma pedra, é uma pedra, é uma pedra, é uma pedra. É uma pedra. E um Pedro? Não pode ser particularmente uma pedra, porém possui potencial para ser um pedregulho. Prefere perfurar o peito com o peso poluidor do perecimento da paixão. Posteriormente passa ao pranto pressuroso, pedindo perdão e professando seu profundo pesar de pecador. A perversão parece persistir, provendo prevaricações de seus princípios primais, permitindo a penúltima pista que prevê o pérfido e vazio fim.


Publicado originalmente em 01/02/2007, aqui.

Conto

“Como ser fotógrafo de guerra: a câmera como vínculo com o conflito”. O título por si só não lhe levaria a ler o artigo da revista do avião, embora o assunto fosse até interessante. No entanto, naquela tarde, indo para sua cidade natal para enfrentar o funeral e enterro de sua mãe, seu ânimo não estava muito para textos interessantes.

O que realmente lhe chamou a atenção ao texto, foi o nome do autor: Roberto Gomes. Também conhecido como seu irmão. Achou que poderia ter uma idéia, mesmo que distante, de quem era o irmão. Não o que o levava a ter a profissão que tinha – isso ele já havia desistido há muito tempo –, mas sim quem ele era.

Dois irmãos, personalidades diferentes. Nada mais clichê do que isso, mas ainda o incomodava. E incomodava ainda mais no dia de hoje, ao perceber que teria que ligar para ele e contar do ocorrido.

Ainda se lembrava de como foi quando seu pai morreu. A falta de emoção no rosto do irmão, sua insensibilidade com o que acontecia à sua volta, como se tudo fossa apenas um grande inconveniente.

E a máquina fotográfica. Por que levar a maldita máquina para o funeral? Ficou tirando fotos adoidado, uma atrás da outra. Aquilo lhe incomodou tanto que passou todo o cerimonial evitando olhar para o irmão.

Depois do enterro, ainda aquele rosto impávido, fleumático. Quando questionado o porquê de tanto desdém pelo pai, a resposta de seu irmão veio como uma citação: “Eu não amava, mas ansiava por amar”.Mais tarde descobriu se tratar de uma frase de Santo Agostinho, mas naquele momento, aquelas palavras soaram tão hediondas aos seus ouvidos que decidiu não mais falar com o irmão.

E tem sido assim desde então. O dia de hoje veio para mudar isso – pelo menos temporariamente. Tinha que ligar pro irmão, onde quer que ele estivesse – provavelmente em mais um país imundo da África onde as pessoas ficam se matando dia após dia.

Ao chegar a sua antiga casa, foi direto ao telefone. Queria se livrar logo daquilo. A conversa não foi das melhores. Nem tanto pela distância física da ligação, quanto pela distância psicológica – seu irmão passou a ligação inteira sem alterar seu tom de voz, monocórdio, enquanto ele se debulhava em lágrimas.

Ao final da ligação, sentiu-se pequeno. Pequeno e só.

Três dias depois, quando finalmente se encontram, a promessa feita ao final da ligação de não mais chorar na presença do irmão se esvai junto com suas lágrimas. Seu irmão tenta lhe consolar com uma fleuma que chega a lhe agredir. Quando não suporta mais a impassividade do irmão, começa a gritar com ele. Acusa-o de ter visto tanta morte, tanta desgraça, tanta merda nos países por onde viaja que não consegue sentir mais nada, nenhuma emoção. O irmão escuta tudo, de olhos fechados, sem falar nada. Quando termina de gritar, vê apenas o irmão abrir os olhos (tão sem vida quanto antes daquele show todo) e ir embora, calado.

No funeral, um déjà vu – seu irmão aparece acompanhado da câmera. Assim que avista o caixão, leva-a em direção ao olho e começa sua série interminável de fotos. Ele não se sente mais com força para tomar uma atitude a respeito – não depois do tanto que já havia chorado e ainda chorava. Resolveu apenas torcer para não ser capturado pela câmera de seu irmão.

No entanto, a raiva era tanta que não conseguia tirar o olho dele. Que absurdo, falta de respeito e insensibilidade frente ao momento, frente à dor das pessoas ali. Afinal de contas era a MÃE deles quem estava no caixão!

Então percebeu. Seu irmão, atrás da câmera, chorava. Quando tirava a câmera da frente, seu rosto continuava impassível, mas as lágrimas estavam lá. Sim, não era uma ilusão. Frente àquela cena, levantou-se e abraçou o irmão. Permaneceram assim, abraçados e sem trocar uma palavra, até o caixão ser enterrado e todos irem embora.

No dia seguinte, ao acordar, soube que seu irmão já havia retornado ao trabalho. Deixou-lhe um bilhete.

“Se há uma coisa que aprendi durante todos esses anos na minha linha de trabalho, foi que sou muito fraco. Não suporto a dor. Por isso evito senti-la. Descobri também que minha câmera é meu bem mais precioso, meu escudo, minha proteção da dor. Para mim, a dor é insuportável demais para ser vista diretamente pelos meus olhos”.



Publicado originalmente em 27/04/2006, aqui.

Segunda não é dia de bobó

- Foi você quem molhou o banheiro todo?
- Sim, saí do banho e molhei um pouco.
- Que bom! Então você deixou aqui tudo molhado pra outras pessoas apreciarem a merda que você fez?
- Estava me vestindo pra vir limpar.
- Sei...

...

- O que você ta fazendo?
- Enxugando o chão do banheiro.
- Com o paninho de chão!?
- Qual é o problema?
- O paninho de chão do banheiro não é pra enxugar o chão do banheiro!!!
- Não?
- Não! É pra usar um pano de chão lá fora!!!
- (Cara de ponto de interrogação)
- O que você ta esperando!?
- Pra que serve então o paninho de chão do banheiro?
- Não importa! O que importa é que não é pra usá-lo pra limpar o chão do banheiro!


*****************

- Amanhã vou fazer bobó de camarão pra gente comer.
- Legal! Faz tempo que você não faz bobó!
- Então ta marcado: amanhã a gente acorda às 6:00, vai ao mercado de São Pedro, em Niterói, compra o camarão e eu faço.
- Não posso ir amanhã de manhã lá. Fiquei de ajudar um amigo a se mudar amanhã de manhã.
- Hunf.
- Mas a gente vai lá à tarde e come à noite.
- Não.
- Ué, por que não?
- Jantar não é pra comer! É pra lanchar!
- A gente não pode fazer uma refeição à noite?
- Não! É pra lanchar!
- Ok. Comemos o bobó na segunda então.
- Não! Segunda não é dia de comer bobó!
- Hã?


Publicado originalmente em 17/04/2006, aqui.

O poder

Ele estava apenas acompanhando os amigos – eles viviam lhe torrando a paciência que saísse com eles, pois, desde que começou a namorar ficou sem tempo pra turma. É verdade. Pra ele, a diversão bastava ela.

Mas seus amigos, todos solteiros ou descompromissados com suas namoradas, não compreendiam muito bem isso. Para satisfazê-los apareceu na boate naquela noite. A bem da verdade que era só pra pararem de lhe pentelhar, mas que importava? Lá estava ele, com os amigos, como nos velhos tempos de caça.

Mentira. Não era como nos velhos tempos. Simplesmente porque não estava à caça. Não ficou o tempo todo procurando mulheres em quem dar uma cantada. Ficou curtindo a música e seus amigos. Nesta ordem.

Em determinado momento percebeu que um a um seus amigos tinham se agarrado com alguém num canto escuro da pista de dança. Não que isso lhe incomodasse (cria até que dessa forma era melhor), mas o último que restou ao seu lado não tinha a menor previsão de sair dali.

Em outros tempos, eles seriam os últimos a conseguir mulher – provavelmente nem conseguiriam. Por isso tinham um acordo de cooperação: um ajudar ao outro o quanto pudesse. Ele não estava mais no jogo, mas isso não o impedia de ajudar a seu amigo.

Quando chegou a hora não pensou duas vezes. Seu amigo lhe apontou uma dupla de meninas e falou “vou na loira, vc conversa com a morena.” – “Ok”. E lá foram eles. Seu amigo se apresentou pra loira enquanto ele puxou assunto com a morena.

Alguma coisa estava diferente. Ele não apresentou o nervosismo habitual – falar com uma menina demandava um enorme autocontrole, elas eram maravilhas da natureza e ele apenas um pobre mortal. Como pode o pobre mortal conversar com a plenitude da beleza?

Mas naquela noite isso não ocorreu. Conversou de igual pra igual com a morena. Seu amigo continuava suando em bicas, tentando se convencer que merecia aquela beldade pra poder convencê-la a ficar com ele. Mas ele não, apenas conversava.

E nisso ele era bom. Ficou conversando um bom tempo. Seu amigo levou seu fora de costume, mas ele nem percebeu, continuou conversando com a morena.

Como aconteceu isso? De onde veio essa confiança? Não, não era confiança. O que faltava era o peso da obrigação de ser bem sucedido, de catar uma mulher. Sem isso, ele apenas era simpático, tinha um papo interessante e educado.

Ele não sabe como aconteceu. Em determinado momento ele se percebeu num emaranhado de braços e pernas, línguas e dedos, boca e mais boca. Quando acabou, levantou-se e olhou a cena: ela de bruços, suada e com restos dele entre as pernas.

Olhou pra si e viu a si mesmo encolhendo após o ato, quase como que com vergonha do que tinha acabado de fazer. Não sabia se era por isso que encolhia, mas ele tinha certeza de que estava com vergonha. Piorava a situação aquele corpo de bruços, como se fosse um cadáver com uma poça branca entre as pernas.

Rapidamente buscou uma toalha e, com muito cuidado, a colocou sobre a bunda dela, cobrindo a sujeirada toda. Sentiu-se um pouco melhor. Havia escondido a cena do crime.

Bastava agora explicar-se como tudo ocorrera. Como contar para a namorada? O que contar para namorada?

A verdade é que não fora ele quem fizera aquilo. Fora seu eu confiante, seu eu “já tenho mulher, não preciso de você”, seu eu “você é apenas como uma garrafa de cerveja: para ser sorvida e jogada fora”. E era isso, percebeu naquele momento, que lhe faltava em suas noites de caça.

Mas já sabia que não adiantava saber, precisava sentir. E, com o crime cometido, sabia que não poderia mais sentir aquilo, não seria mais verdadeiro. Perdera seu poder, logo agora que mais precisava: perderia sua namorada em breve, já sabia.

Assim, compreendeu que era esse o seu fardo como homem: só ter poder sobre as mulheres quando estiver comprometido. Usar do poder é perdê-lo...


Publicado originalmente em 27/10/2005, aqui.

Versando

Tenho medo de quem necessita

Pois quem não precisa toma

Somente o que lhe interessa

Deixando de lado o que não lhe soma

Quem necessita, precisa

Tomando o que primeiro visa

Sem tempo pra escolher

A necessidade tem pressa em se satisfazer

A pressa leva à violência sem cabido

Ato de tomar, com desespero

Recuperar algo nunca pertencido

Sabendo ser seu o tempo inteiro

Como um cego com medo do escuro

Não temos escolha senão suportar

A dor de quem lhe põe em apuro

Para seus apuros suportar

No momento de desagrado incontido

Somos pegos de fingida surpresa

Sob as ruas o barulhento estampido

Na cidade que de predador virou presa

Quando o toque do celular não atendido

Um para cada mão sem vida

Vindo do londrino à procura do ente querido

Faz a mórbida sinfonia do necessitado que precisa



Publicado originalmente em 12/06/2005, aqui.

A Casa

All the lonely people
Where do they all come from?
Where do they all belong?

Lá está você de novo: a mesma rua, o mesmo dia nublado de nuvens esverdeadas carregadas de chuva. Dos dois lados da rua, casas com cercadinhos brancos saídos do subúrbio de “Edward Mãos de Tesoura”, gramados impecáveis e calçadas muito limpas e bem arrumadas.

As casas são as mesmas: primeiro aquela em forma de bola de futebol gigante – uma bola murcha, furada; em seguida uma formada por pequenas peças de lego, só que com várias peças faltando, parecendo frágil o suficiente para que seja preciso apenas uma leve brisa para derruba-la; depois uma casa que poderia ter sido desenhada por uma mistura de Mondrian com Picasso – Der Styhl e Cubismo unidos para formar uma aberração que um passeunte poderia confundir com uma pilha de destroços formada por traços retos e cores básicas; mais adiante uma casa apoiada nas costas de um homem (Atlas), ela é bem simples e arredondada, quase parecendo com um ovo.

Todas as casas estão lá como sempre estiveram. É certo que algumas delas são recém construídas, mas fazem parte do local como se sempre estivessem ali. Você também está bem certo que até você chegar ao final da rua, mais casa serão construídas e ficarão lá como se não pudesse ser de outra forma. Você não sabe direito de onde elas vêm, mas sabe que elas estão montadas em outra rua, esperando sua vez de virem para essa.

A chuva começa a cair. Aquela chuva de bílis, queimando a pele, mas não doendo (na verdade, a dor seria muito bem-vinda neste momento, uma companhia que ninguém poderia fazer melhor). Ao contrário do que se poderia pensar a pele não se desfaz. Para seu desespero, você fica intacto, fadado a observar o espetáculo de destruição que se passa.

As casas, todas, são completamente destruídas pela chuva – que queima, desmancha, desfaz casa por casa, não deixando nada em seu lugar a não ser a dolorosa lembrança de sua existência.
Lá está você de novo: a mesma rua, sendo destruída como em todas as vezes anteriores. Agora é esperar subitamente levantar da cama em um desesperado esforço para levar ar aos seus pulmões que gritam o silêncio de estar se afogando no seco. Mais um dia começa, mais uma noite por vir.


Publicado originalmente em 28/01/2005, aqui.

"E com um beijo me traístes."

Não aquele que destes em outra, mas sim aquele que viestes me dar após o ocorrido.
Sabes bem que tu nada deves àquela, tua perdição.
A mim, que me entreguei a ti até o último suspiro, é que tinhas responsabilidades.
De cuidar.
De manter.
De ser fiel.
Teu beijo foi uma traição a este fardo que escolheste carregar ao me escolher para ti.
Beija outra, mas não venhas me beijar jamais.


Publicado originalmente em 28/10/2004, aqui.

Durma enquanto pode

"Ora, criança, se quiséssemos te fazer mal, achas que estaríamos à espreita à beira do caminho na parte mais escura da floresta?”.

Sabes muito bem que quem te faz mal não é aquele que se esconde atrás de máscaras ou nas sombras, mas sim aqueles que estão ao seu lado, querendo fazer-te bem.

Deixa que teus inimigos te espreitem, nada conseguirão fazer. Preocupa-te com teus queridos, aqueles que possuem o poder e o acesso para acertar-te onde realmente dói.

Deleita-te com os carinhos conseguidos sabendo que eles trarão consigo toda a sorte de dor e tortura. Dói mais o tapa que vem da mão que acaricia teu rosto.


Enquanto isso dorme. Teus pesadelos fazer-te-ão companhia enquanto a inimaginável realidade espera-te para destruir teus sonhos.


Publicado originalmente em 27/10/2004, aqui.

Um dia de trabalho

- Fulano! O que você vai estar fazendo agora?
- Eu estarei estartando uma reunião lá na conference room.
- Você recebeu a nota que eu te mandei?
- Absolutamente.
- E o arquivo atachado? Você visualizou?
- Não, não realizei que havia um arquivo atachado!
- Mas como você vai facilitar a reunião sem esse arquivo? O facilitador deveria ter lido este document.
- Vou pedir então pro photoshopeiro lá do bureau me enviar esse arquivo uma vez mais. Isso deve solucionar o problema.

- Eu concordo. Não se esqueça de, ao final da reunião, passar a folha de feedback para que possamos estar possuindo um banco de dados com os principais issues.
- Claro! Eu também quero poder estar participando da visualização do downstream do scorecard dos shareholders.
- Cara, você realmente gosta de trabalhar em Finance, não é?
- Não tanto quanto você gosta de estar trabalhando em External Affairs.


Publicado originalmente em 27/10/2004, aqui.

A árvora da vida

Será que viver é tão difícil?
Sair, levar um tapa na bunda, chorar.
Levantar, cair, chorar, levantar, ficar, andar.
Sorrir, chorar, entender, compreender, perguntar.
Gostar, ficar, amar, não amar, amar, não amar, amar.
Juntar, separar, juntar de novo, fazer um, mais dois, mais três.
Estudar, estudar mais, estagiar, trabalhar, aposentar, criar poeira.
Se divertir, se aborrecer, crescer, ser criança pra sempre, se responsabilizar.
Crescer, ser grande, diminuir, desaparecer.
O que mais eu poderia querer da vida?
O que mais eu poderia querer da vida?
O que mais eu poderia querer da vida?


Publicado originalmente em 27/10/2004, aqui.

O Metrô

Último metrô do dia. Ele entra, puxa seu livro e senta como sempre no fim do vagão, de lado, com as pernas em cima do banco e as costas contra a parede. À sua frente está um casal se agarrando e beijando. Ela tem um vestido preto e pernas brancas. Ele é alto e tem cabelos longos que praticamente esconde a menina.

O metrô começa a andar. Ele continua entretido em seu livro. Não porque seja maravilhoso, mas porque é a terceira vez que tenta ler e não quer desistir mais uma vez. É questão de honra. O livro se arrasta com linguagem rebuscada e falar afetado, tornando o sono algo quase tangível de tão forte que exala do livro.

Do outro lado, pelo canto do olho ele percebe que ela teve a parte de dentro de suas pernas invadidas pela mão do cabeludo. As coxas são mais brancas do que as canelas. Quase brilham.

Uma dupla de mulheres feias e faladeiras entra no vagão e se senta ao lado deles. Eles se acalmam um pouco para logo a seguir voltarem à sofreguidão dos abraços e beijos. A dupla de barangas se sente incomodada e muda de assento.

Páginas são lidas sem que se saiba o que estava escrito. Os olhos continuam a leitura, mas o cérebro não codifica mais as imagens em texto. Num esforço de concentração, ele começa a ler de si para si, bem baixinho. Funciona. Por um tempo.

Outra espiada de canto de olho e ela está , dando adeus ao cabeludo pela janela. Ele realmente parece o primo It da Família Adams. Pela primeira vez ela é loira. Oxigenada, mas não é mais apenas um par de pernas sendo invadidas pelas mãos do Capitão Caverna.

Segue a leitura. Fim de mais um capítulo. Sobre o que se tratava mesmo? Ler baixinho não está mais funcionando. Vou ler de novo este episódio. Ah, foi isso que eu li? Humm. Chega! Isso não vai me levar mais a lugar algum. Amanhã eu continuo.

Ele senta-se direito no banco e fica de frente para o lado oposto do carro. Ela ainda está . Parece meio incomodada pela falta de alguém a cobrindo. Meio que como uma pessoa com frio de quem acabaram de tirar o cobertor com o qual se cobria. Deve ser por isso que abraça a si mesma. O rosto baixo, coberto pelo cabelo loiro.

As estações passam, mas o metrô parece não sair do lugar. Que demora irritante! A essa hora da noite nãomais ninguém nas estações, anda logo! Ele repara então nela. Uma nesga dos olhos apareceu sob a cabeleira de palha. Escuros. Quase nãobranco nos olhos dela.

Percebendo ser vigiada, ela se encolhe no banco e aperta os lábios, como que de dor. Não deve estar acostumada a chamar atenção. Parece um bichinho assustado, encurralado num canto esperando seu destino. O abraço fica mais apertado.

As duas últimas estações ele passa admirando aquela cena. Os cabelos de palha cobrindo os olhos sem branco, o vestido preto brigando contra a brancura de suas pernas e braços, a boca apertada em dor.

Chega sua estação. Ele levanta antes de o metrô parar e se dirige à porta. Ela abre. Antes de sair ele vira, olha para ela, ela percebe e olha pra ele. “ Você é linda.Fecha a porta. Cara, estou podre! Vou chegar em casa e desmaiar na cama.


Publicado originalmente em 24/10/2004, aqui.

Eles

Ela

– Amor, fui ao shopping e comprei um monte de roupas lindas!
– É?
– É! Entrei na Zara e vi uma saia linda com um ótimo preço: R$100,00. Olha como ela é linda.
– Uhum – olhadela de canto de olho com um leve consentir de cabeça.
– Depois fui na Totem e achei um cinto ma-ra-vi-lho-so por apenas R$50,00. Praticamente dado! Olha que lindeza.
– Uhum – olhadela de canto de olho com um leve consentir de cabeça.
– Amor, você ta olhando as roupas que eu comprei?
– Claro, minha paixão.
– E porque você não fala nada, não comenta sobre nenhuma delas?
– Estou falando “Uhum”!
– E o que isso significa?
– “Sim”, ora bolas!
– “Sim” o quê?
– “Sim”, “Sim”!
– Você não está nem aí pras minha roupas! Não quer nem saber das compras que eu fiz. Aposto que não estava nem ouvindo o que eu estava falando!
– Escutei tudo meu amor! Você comprou essa saia naquela loja com Z e aquele cinto é ma-ra-vi-lho-so.
– É? Você estava escutando mesmo?
– Claro que sim. Eu te amo!
– Ah, então tá! Olha, esses sapatos eu comprei na Mr.Cat por quase R$130,00. Na outra loja era um absurdo de caro: quase 200 reais!
– Uhum – olhadela de canto de olho com um leve consentir de cabeça.


Ele

– Amor, fui ao shopping e comprei um monte de roupas lindas!
– É?
– Blá-blá-Z-blá R$100,00 blá-blá-blá.
– Uhum – Puta que pariu! O que foi cem reais? Espero que não tenha sido nada demais. Merda! Devia ter prestado atenção pra poder reclamar.
– Blá-blá-cinto-blá R$50,00 blá-blá-ma-ra-vi-lho-so-blá.
– Uhum – Caralho! 50 reais num cinto merda desses!!! Não acredito! Onde que ela ta achando essas porcarias caras a beça!?
– Amor, você ta olhando as roupas que eu comprei?
– Claro minha paixão – Estou ouvindo toda essa loucura que você fez de gastar essa grana preta numas roupas horríveis.

...

– Claro que sim. Eu te amo!
– Ah, então tá! Olha, blá-blá-blá R$130,00 blá-blá-blá R$200,00 blá-blá-blá.
– Uhum – Cento e trinta!? Duzentos!!!??? O que essa mulher pensa que ta fazendo!?



Publicado originalmente em 28/09/2004, aqui.

Bukowski fazendo efeito

– Você está olhando pros meus peitos!?
– Bom, pra falar a verdade... Sim, eu estou olhando pros seus peitos.

...


– Olha, eu achei muito inconveniente da sua parte o que você fez.
– Como assim?
– Eu achei muito rude da sua parte o modo como você falou comigo.
– Você achou rude!?
– Claro que sim.
Você estava olhando pros meus peitos e fui eu que fui rude!?
– Sim. Fiquei muito desconfortável com sua atitude.
– Você ficou desconfortável. Você ficou desconfortável? Você ficou desconfortável!?
– Sim. O que há de estranho nisso? É claro que fiquei desconfortável. Eu estava aqui quieto no meu canto, olhando pros seus peitos. Eu não esperava que você fosse me questionar. Isso não se faz.
– Isso não se faz? Quer dizer que eu não devo fazer nada quando alguém estiver olhando pros meus peitos?
– Exatamente. Questionar, ainda mais da forma como você fez, é algo muito inconveniente de se fazer. Isso tende a deixar a pessoa que está admirando seus peitos numa situação desconfortável.
– E eu!? Não lhe passa pela mente que talvez eu esteja desconfortável com a situação?
– Não. Por que deveria?
– Você estava olhando diretamente para os meus peitos. Não chegou nem a disfarçar...
– Eu sei. Não consigo ser muito discreto.
– ...e ainda vem achar estranho eu ficar desconfortável?
– Sim, claro. Por que você estaria desconfortável?
– Porque você estava olhando pros meus peitos!
– Sim, e daí?
– E daí? E DAÍ!?
– Ai. Daqui a pouco você vai me dizer que não era pra olhar?
– CLARO QUE NÃO ERA PRA OLHAR!
– Então por que você está usando um decote como esse? Não me parece que você está tentando esconder muita coisa. Seja pelo menos educada e não seja rude com quem ficar a olhá-los.

Originalmente publicado em , 21/09/2004 aqui.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Te conto em partes 1

Estava no seu trabalho, como todos os dias. Era um trabalho meio repetitivo, pouco desafiador, mas não lhe incomodava. Não amava, também.
Alguns de seus colegas de trabalho odiavam o que faziam, tinham problemas pra trabalhar e viviam doentes. Outros amavam e curtiam estar ali, conversar com os colegas e lidar com os clientes.
Ela não. Para ela, o trabalho apenas era. Como algo que não podia ser evitado, portanto era apenas aceito; nem valorizado, nem odiado.
Pra falar a verdade, nem se recordava do tempo passado no trabalho. Todo dia chegava em casa como se tivesse acabado de acordar, como se nada tivesse acontecido até aquele momento. Vivia sua vida fora do trabalho, entre a hora de saída e a hora de entrada. O horário de trabalho era estritamente para desligar e esperar o tempo passar.
E assim estava, absorvida no nada das horas de trabalho em sua janelinha de achados-e-perdidos.
Ele chegou com um ar perdido e ela pensou claramente “esse veio ao lugar certo”. Demorou um pouco pra que falasse alguma coisa, parecia indeciso ou precisando se certificar de que estava no lugar certo. Ela não o apressou, não tinha motivo.
“Eu perdi uma coisa e não consigo encontrar.” “Claro!”, pensou ela. Afinal de contas, ela era a responsável pelos achados-e-perdidos. Era óbvio que só poderia estar ali por esse motivo.
“Do que se trata, senhor?” “Uma coisa muito valiosa pra mim.” “Dependendo do que for, tem que vir com a nota fiscal de compra...” “Não tenho nota fiscal. O que faço?” “Ok, me diz o que você perdeu com uma descrição que eu confiro se está aqui.”
“Perdi a cabeça.”
“Como?” “Perdi a cabeça. Não literalmente, é claro.” “Claro.” “Na verdade, perdi meu cérebro. Tá vendo aqui esse buraco? Saiu por aqui e não encontro em lugar nenhum. Ele é meio acinzentado, enrugado e...”
“Você tá de brincadeira comigo?” Nessa hora, ela acordou completamente da névoa de nulidade que colocava à sua volta enquanto trabalhava. Estava completamente desperta.
“Não, de modo algum. Perdi meu cérebro e preciso dele de volta. Ele me é muito caro, gosto dele...”


[Continua...]

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Cego para o desejo

Quando eu tinha uns 15 anos, houve uma exposição de obras de Rodin no Museu de Belas Artes, no Rio, e eu fui ver.

As peças eram impressionantes de tão realistas. Se fossem pintadas para parecerem gente, eu teria acreditado que eram pessoas normais, posando em meio aos corredores do museu.

Em determinado momento, percebi que entrou um novo grupo de pessoas na sala onde estava. Todos se apoiando uns nos outros e uma pessoa guiando a todos.

Era um grupo de cegos, estudantes do Instituto Benjamin Constant, uma escola para deficientes físicos no Rio.

Quando encontraram a primeira escultura da sala, agarraram-na com muita ânsia e sofreguidão.

Nos meus 15 anos de idade, fiquei um pouco assustado com aquilo, aquela cena que mais parecia um ataque de um grupo raivoso a uma pessoa indefesa até sufocá-la.

As mãos passeando por todo o corpo da estátua somado aos rostos sorrindo e se regozijando do que faziam, hoje, me trazem uma outra impressão. Lembrando hoje daquela cena, percebi que parecia mais uma satisfação sexual no ato. Todos gozavam ao “ver” a estátua, ao deslizar a ponta dos dedos por cada saliência e reentrância de um homem sentado. Uma orgia de prazeres compartilhados e, ao mesmo tempo, particulares.

Sei que pode parecer meio feio, mas sinto um pouco de inveja – e curiosidade – do sexo que um cego desfruta. Por mais que que possa fechar meus olhos e seguir o mesmo processo, acho que a “visão” do todo é diferente, intensificada, num deficiente físico.

Talvez, minha limitação em relação a eles seja exatamente a capacidade de enxergar, que me impede de desenvolver e potencializar os outros sentidos. Acho que nunca conseguirei apreciar uma escultura como aquelas pessoas – com desejo e luxúria pela peça.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Vida na fazenda

Acordei mais um dia com o som do maldito búfalo caindo do telhado ao tentar seu matinal cocoricó. Tenho que colocar um poleiro lá em cima.

- Onde estão os corvos pra me trazer comida? Aqui no curral não dá pra esperar muito ou ficamos logo ansiosos.
- Calma, mãe. Eles já vem. Eles sempre se atrasam.
- Mas temos que trabalhar! Seu pai já vai sair pro escritório.
- Lá vêm eles gorgolejando.

Todo o dia é mesma coisa. Minha mãe reclamando e os corvos atrasando. Essa vida na fazenda tá ficando chata demais. Não quero ser só um fazendeiro pro resto da vida.

Merda! Maldita carpa! Fez um buraco debaixo da minha tigela e roubou todo o meu café-da-manhã. Um dia ainda vou ter que providenciar um pesticida pra acabar com todas as carpas fazendo buracos no chão da nossa fazenda.

Bom, hora de trabalhar. Tenho que mastigar todo o capim pra poder os gatos virem e plantarem cachorros. Até que a vida no campo tem suas vantagens, no outono. Porque no verão, com todos esses cachorros maduros pra colher, fica uma barulheira só com todos os latidos.

Esses porcos tão comendo a plantação toda de camarão! Cadê o espantalho. Sem o espantalho, os porcos chegam voando e comem tudo, sem medo de serem felizes. E não adianta botar o cavalo de guarda porque ele late pros porcos, eles voam e voltam pra comer.

O bom seria se um dos corvos viessem com uma cachimbo e atirasse nos porcos. Aí eles iam fugir de vez.

- E aí, Pedro? Vamos pra escola?
- Nem, cara. Cansei de fazer mel. Prefiro entrar na geladeira e catar uns cangurus da cabeça que tão me matando de tanto coçar. De repente faço um canguru assado no almoço.
- Ah tah. Você quem sabe...

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Papo de macho

- Fala!
- Coé.
- Tranqüilo?
- Nem... Tô meio pra baixo.
- Qual foi?
- Sei lá. To meio deprimido. Meio triste com as coisas, sabe?
- Coé! Isso tá parecendo coisa de viado. Só falta dizer tá chorando sem motivo, também.
- Pois é. Tô mal assim.
- Virou viado, por acaso?
- Não! Não tem nada a ver! Só tenho andado meio perdido, meio sem saber oq eu fazer da minha vida. Tava precisando me encontrar.
- Caralho! “Tô precisando me encontrar” é total coisa de viado! Daqui a pouco você vai chegar e me dizer que nem acha mulher tão interessante assim e que você se sente muito melhor entre seus amigos do que pegando mulher por aí.
- Mas eu me sinto melhor com meus amigos do que pegando mulher por aí!
- Tô falando!
- Mas não tem nada a ver. Eu gosto de mulher. É mais uma questão comigo mesmo... Tenho me sentido estranho, um forasteiro no meu próprio corpo.
- “Estranho no próprio corpo”? Isso é coisa de travesti! Vai cortar fora seu bagulho e botar uns peitos de silicone, agora?
- Não! Caralho tu é foda, hein! Tô aqui na merda precisando me abrir com alguém e tu fica me sacaneando!
- Cara, tudo bem. Não tenho nada contra viado, só não quero que você se abra pra mim na sua primeira relação homossexual...
- Putaquepariu!
- Não! Tô brincando! Vai, pode falar.
- Cara, tá foda... To pensando em ir pra uma terapia.
- Terapia?
- É! Sabe como é: chegar lá, fazer um esforço e botar pra fora tudo o que tem de ruim dentro de mim mesmo, expelir tudo o que tá me fazendo mal.
- Cara, o que tu vai fazer na terapia? “Fazer um esforço e tirar de dentro tudo o que me faz mal”; parece que você vai dar um cagadão depois de comer um sarapatel estragado!
- Porra, mermão, tu tá foda hoje! Deixa pra lá essa merda!
- Não, pode falar. Tava brincando!
- Não deixa pra lá. Vamos continuar bebendo e falando de outra coisa.
- Tem certeza?
- Tenho. Foda-se.
- Beleza, então.
- Então diz aí: como vai aquele seu timinho de merda? Vai cair pra segundona com certeza!
- Coé, cara... Fala assim, não. Fico todo mal com essas paradas. Nem brinca com essas coisas. Pô! Tem coisa que é sagrada e não se zoa. Tu é foda! Vou embora daqui.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Lógica de carrossel

Mais aqui.

Pra começar

Já devia estar nessa há mais de quatro horas. Sabia disso porque já tinha completado o percurso – ida e volta – da linha D e agora já estava na volta da linha A.

Não consegue lembrar muito bem como começou, o que o fez entrar no metrô e não sair mais. Foi algo quase como gravitacional: alguma força o impulsionou para lá e o tem mantido ali desde então. A única concessão parece ter sido a mudança de linhas.

Faz diferença como chegou ali? Achava que não. Só o que importava era o motivo.
E era exatamente isso que não encontrava. Sabia que devia ficar no metrô, mas não sabia o porquê e nem por quanto tempo.

O tempo não importava tanto também. Era só uma divisão arbitrária da minha vida feita por alguém para controlar o que fazia ao longo de um dia. não tinha relógio exatamente por isso, a sensação de controle externo exercido pelo objeto.

Mas, incoscientemente, buscava a hora em seu celular com alguma freqüência. Um hábito que não conseguia evitar, mesmo que quisesse.

Na verdade, todo o seu medo de controle foi por água abaixo quando ganhou seu primeiro telefone celular. Não há como fugir deste aparelho. Ele está sempre junto, sempre te dizendo a hora, sempre te despertando, sempre deixando uma porta aberta para alguém entrar na sua vida a qualquer momento, sem cerimônia.

E parecia que não conseguia se livrar dele. “Perdeu” seu primeiro, que foi rapidamente substituído por outro. Não conseguia deixá-lo em casa ou desligado – a pressão social para tê-lo consigo era maior do que podia enfrentar. Adorava andar de metrô porque não havia sinal – era a liberdade contra as telecomunicações.

Só gostou mesmo deste carrapicho eletrônico quando comprou um que vinha com tocador de músicas. Aí passou a ter algum sentido aquele peso no bolso.

Um selecionado de músicas de Cake, Jet, Fastball e Strokes lhe fazia companhia em sua viagem sem destino. Nada mal para companhia, mas ainda assim não dava sentido à sua turnê.

Havia também seu caderninho de anotações. Ele escrevia freneticamente, sem nem pensar no quê. Sem coerências ortográficas, com incongruências gramaticais, cheio de silepses de tudo quanto era tipo, sem nexo textual ou sentido contextual. Eram só palavras juntadas em linhas que formavam parágrafos em páginas de um livro em branco sendo escrito a caminho de lugar algum.

Às vezes desenhava. Alguém interessante com quem dividiu o vagão por algum tempo ou alguma imagem abstrata que lhe havia ocorrido. A verdade é que só ele compreendia seus traçados, mas era importante colocar o desenho pra fora, tirar de dentro de si.

E assim percebeu o que fazia ali. Estava cheio. Estava completamente preenchido de informações, idéias, conceitos, besteiras, piadas, contos, notícias; abarrotado de conversas que nunca ocorreram mas sempre estiveram ali, esperando sua oportunidade de se fazerem em diálogos.

Precisava esvaziar um pouco a mente e o corpo. Precisava diminuir a pressão interna, colocar para fora de alguma forma tudo o que lhe sufocava por dentro. Assim tinha passado as últimas quatro horas e meia e era assim que provavelmente ia passar mais algumas horas: vomitando pensamentos numa folha em branco, num passeio sem chegada e nem saídas, sem meios de comunicação ou de interrupção, por baixo da cidade, isolado em meio a todos os outros passageiros, em meio a toda uma metrópole que percorria suas idéias entrando e saindo conforme lhe comprazia.

Precisava vomitar.