quarta-feira, 11 de março de 2009

Te conto em partes 1

Estava no seu trabalho, como todos os dias. Era um trabalho meio repetitivo, pouco desafiador, mas não lhe incomodava. Não amava, também.
Alguns de seus colegas de trabalho odiavam o que faziam, tinham problemas pra trabalhar e viviam doentes. Outros amavam e curtiam estar ali, conversar com os colegas e lidar com os clientes.
Ela não. Para ela, o trabalho apenas era. Como algo que não podia ser evitado, portanto era apenas aceito; nem valorizado, nem odiado.
Pra falar a verdade, nem se recordava do tempo passado no trabalho. Todo dia chegava em casa como se tivesse acabado de acordar, como se nada tivesse acontecido até aquele momento. Vivia sua vida fora do trabalho, entre a hora de saída e a hora de entrada. O horário de trabalho era estritamente para desligar e esperar o tempo passar.
E assim estava, absorvida no nada das horas de trabalho em sua janelinha de achados-e-perdidos.
Ele chegou com um ar perdido e ela pensou claramente “esse veio ao lugar certo”. Demorou um pouco pra que falasse alguma coisa, parecia indeciso ou precisando se certificar de que estava no lugar certo. Ela não o apressou, não tinha motivo.
“Eu perdi uma coisa e não consigo encontrar.” “Claro!”, pensou ela. Afinal de contas, ela era a responsável pelos achados-e-perdidos. Era óbvio que só poderia estar ali por esse motivo.
“Do que se trata, senhor?” “Uma coisa muito valiosa pra mim.” “Dependendo do que for, tem que vir com a nota fiscal de compra...” “Não tenho nota fiscal. O que faço?” “Ok, me diz o que você perdeu com uma descrição que eu confiro se está aqui.”
“Perdi a cabeça.”
“Como?” “Perdi a cabeça. Não literalmente, é claro.” “Claro.” “Na verdade, perdi meu cérebro. Tá vendo aqui esse buraco? Saiu por aqui e não encontro em lugar nenhum. Ele é meio acinzentado, enrugado e...”
“Você tá de brincadeira comigo?” Nessa hora, ela acordou completamente da névoa de nulidade que colocava à sua volta enquanto trabalhava. Estava completamente desperta.
“Não, de modo algum. Perdi meu cérebro e preciso dele de volta. Ele me é muito caro, gosto dele...”


[Continua...]

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