quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Pra começar

Já devia estar nessa há mais de quatro horas. Sabia disso porque já tinha completado o percurso – ida e volta – da linha D e agora já estava na volta da linha A.

Não consegue lembrar muito bem como começou, o que o fez entrar no metrô e não sair mais. Foi algo quase como gravitacional: alguma força o impulsionou para lá e o tem mantido ali desde então. A única concessão parece ter sido a mudança de linhas.

Faz diferença como chegou ali? Achava que não. Só o que importava era o motivo.
E era exatamente isso que não encontrava. Sabia que devia ficar no metrô, mas não sabia o porquê e nem por quanto tempo.

O tempo não importava tanto também. Era só uma divisão arbitrária da minha vida feita por alguém para controlar o que fazia ao longo de um dia. não tinha relógio exatamente por isso, a sensação de controle externo exercido pelo objeto.

Mas, incoscientemente, buscava a hora em seu celular com alguma freqüência. Um hábito que não conseguia evitar, mesmo que quisesse.

Na verdade, todo o seu medo de controle foi por água abaixo quando ganhou seu primeiro telefone celular. Não há como fugir deste aparelho. Ele está sempre junto, sempre te dizendo a hora, sempre te despertando, sempre deixando uma porta aberta para alguém entrar na sua vida a qualquer momento, sem cerimônia.

E parecia que não conseguia se livrar dele. “Perdeu” seu primeiro, que foi rapidamente substituído por outro. Não conseguia deixá-lo em casa ou desligado – a pressão social para tê-lo consigo era maior do que podia enfrentar. Adorava andar de metrô porque não havia sinal – era a liberdade contra as telecomunicações.

Só gostou mesmo deste carrapicho eletrônico quando comprou um que vinha com tocador de músicas. Aí passou a ter algum sentido aquele peso no bolso.

Um selecionado de músicas de Cake, Jet, Fastball e Strokes lhe fazia companhia em sua viagem sem destino. Nada mal para companhia, mas ainda assim não dava sentido à sua turnê.

Havia também seu caderninho de anotações. Ele escrevia freneticamente, sem nem pensar no quê. Sem coerências ortográficas, com incongruências gramaticais, cheio de silepses de tudo quanto era tipo, sem nexo textual ou sentido contextual. Eram só palavras juntadas em linhas que formavam parágrafos em páginas de um livro em branco sendo escrito a caminho de lugar algum.

Às vezes desenhava. Alguém interessante com quem dividiu o vagão por algum tempo ou alguma imagem abstrata que lhe havia ocorrido. A verdade é que só ele compreendia seus traçados, mas era importante colocar o desenho pra fora, tirar de dentro de si.

E assim percebeu o que fazia ali. Estava cheio. Estava completamente preenchido de informações, idéias, conceitos, besteiras, piadas, contos, notícias; abarrotado de conversas que nunca ocorreram mas sempre estiveram ali, esperando sua oportunidade de se fazerem em diálogos.

Precisava esvaziar um pouco a mente e o corpo. Precisava diminuir a pressão interna, colocar para fora de alguma forma tudo o que lhe sufocava por dentro. Assim tinha passado as últimas quatro horas e meia e era assim que provavelmente ia passar mais algumas horas: vomitando pensamentos numa folha em branco, num passeio sem chegada e nem saídas, sem meios de comunicação ou de interrupção, por baixo da cidade, isolado em meio a todos os outros passageiros, em meio a toda uma metrópole que percorria suas idéias entrando e saindo conforme lhe comprazia.

Precisava vomitar.

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