terça-feira, 11 de maio de 2010

“Não sei como me sentir”

“Não sei como me sentir”

Vinha repetindo isso para si mesma há dois meses, quando percebeu a proximidade da data. Mas hoje, especialmente, não conseguia deixar de repetir essas palavras. Elas pareciam explodir na sua garganta até serem vomitadas boca afora.

O engraçado é que elas não pareciam ter sabor. Não eram amargas, não eram doces, nada. Se não fosse pelo som que faziam ao chegarem aos seus próprios ouvidos, quase não notara que elas existem.

E, no entanto, lá estavam elas, abrindo caminho entre língua, dentes e lábios até sair de seu corpo.

“Juro que não esperava que fosse assim quando imaginei esse dia há 4 anos atrás.”

Naquela época, o amor parecia permear tudo à sua volta. Tudo parecia começar a terminar no seu amor. No seu amor por ele. Hoje diria que se sentia como se estivesse eternamente sobre efeitos de um ácido delicioso. Naqueles dias, nunca nem cogitaria fazer tal comparação com algo tão leviano.

“As pessoas mudam.”

Sim, as pessoas mudam. Ela mudou. Ele provavelmente também. Será que esse clichê barato é o que define o momento? Talvez. Mas é algo mais que isso. Ela mudou por ele, com ele, apesar dele.

Há quatro anos atrás, era difícil dizer que isso poderia acontecer. A última parte.

Ela fez tudo por ele. Deixou de ser ela para ser ele. Tudo para estar com ele. E, mesmo assim, se separaram.

Claro que o plano estava todo muito bem traçado, planejado, definido e pronto para ser executado. Ela seguiria com sua viagem, ele com a dele. Continuariam juntos, apesar do oceano entre eles, através dos cabos de fibra ótico no fundo do mesmo.

“Nada que o skype não resolva. Rá!”

Sim, foi infantil pensar assim. Mas tinha um “que” de invencibilidade, de Love conquers it all e certeza da permanência das coisas. Engraçado duas crianças – sim, eram crianças quando tudo começou e quatro anos passados fazem diferença ao avaliar isso – podiam pensar algo tão definitivo como dois velhos de 70 anos.

Mas ela sempre foi meio velha em corpo de criança. E ele também – por isso a identificação tão forte. Ou foi assim que sempre se considerou e a consideraram, uma velha precoce. Mas a verdade verdadeira é que era extamente o contrário. Era a mais imatura entre todos em uma pele de velha.

“Que máscaras a gente não usa pra se proteger... Qual será minha hoje?

Será que haveria uma hoje? Talvez. Provavelmente. Mas só saberia dizer qual é depois de passado. Talvez então já não tenha mais tanta importância. O que é importante agora, então? “Não sei.”

Antes, sabia tudo. Tudo. As certezas eram tão comuns dentro de si como o sangue que circula por suas veias. Sabia o que tinha que fazer para o namoro continuar e sabia que continuaria. Tinha certeza. Mas, por via das dúvidas, decidiram fazer um acordo. Por quatro anos, não estariam mais namorando, cada um poderia fazer o que quisesse de sua vida sem conseqüências, a política do “o que os olhos não vêm, o coração não sente”. E, passados os anos, se encontrariam para viverem juntos para todo o sempre.

Ela sabia que isso não mudaria nada pra ela. Continuaria fiel, continuaria ligando e amando somente a ele. E continuou. Mesmo depois de ter percebido que a recíproca não era verdadeira. Ou pelo menos não parecia ser assim.

“Me anulei muito por ele. Deixei de viver.”

Mas isso não é verdade. A verdade é que viveu sim. Viveu através dele. Foi muito bom enquanto estavam juntos e foi muito bom por um bom tempo após a separação. Não tinha nada melhor do que viver através dele. Mesmo as coisas que antes de conhecê-lo eram sua vida, o que fazia o seu mundo girar, não tinham mais tanta graça. Escolheu, simplesmente, viver o que mais lhe deixava feliz.

Quando a ficha caiu e percebeu que a distância não era apenas física, seu mundo não tinha mais um sol ao redor do qual girar. E simplesmente vagou sem destino.

“Eu me perdi completamente. Eu me achei finalmente.”

Finalmente caiu a máscara de velha em corpo de criança e ficou somente a criança. Foi forçada a perder as certezas, perder a imutabilidade de seus planos, a perder o controle. Sem controle, sem planejamento, teve que descobrir quem era e o que queria fazer.

Finamente conheceu outras pessoas. Finalmente conheceu e reconheceu seus prazeres próprios. Finalmente conheceu o prazer sem domínio sobre ele. Finalmente viu a si mesma sem a visão deturpada de como os outros a viam, sem a visão deturpada de quem deveria ser, sem a deturpação de alguém definindo por ela quem ela era na verdade. Percebeu que, até então, sua vida, suas escolhas e planos tinham todos sido alguém explicando para ela o que ela quis dizer a letra da música de sua própria autoria. Queriam dizer pra ela o que ela sentiu ao criar sua obra-prima: ela.

“E agora? Onde ele encaixa na minha vida agora?”

Porque já tinha conhecido outros homens. Será que o amor por ele ainda existia? Tinha sido amor mesmo? Já tinha amado alguém?

Se surpreendeu um pouco quando recebu dele o email há dois meses para marcarem de se encontrar. Não tanto pelo compromisso que tinha esquecido – não, nunca esqueceu o compromisso, simplesmente o tinha ignorado – mas sim pelo modo como reagiu à proposta.

“Não sei como me sentir.”

Mas tinha que sentir alguma coisa? Talvez fosse só uma questão de se verem e cada um pro seu lado. Não é que não quisesse mais manter o compromisso de se encontrarem quatro anos depois. Isso era até legal. Para ver como ele tinha mudado; como ela tinha mudado.

A questão do sentimento era que estavamuito estranha. Tinha certeza de que deveria sentir alguma coisa forte por ele, por tudo que passaram juntos e por que ela passou quando separados. Mas não sabia o que era. Simplesmente não sentia. As palavras não tinham sabor.

“Acho que só vou descobrir mesmo que sentir quando tudo acontecer.”

Sim, uma vez mais, e usando a mesma ferramenta – ele – o universo lhe ensina que nem tudo pode ser planejado e definido de antemão. Às vezes é preciso viver para definir.

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